Eu tinha planejado abrir a primeira newsletter de 2023 com um texto inspirador. Falar sobre a chegada da minha sobrinha ou então sobre os dias paradisíacos que passei em Atins no recesso. Mas acontece que uma angústia antiga se fez mais urgente que essas celebrações recentes. A mesma que me fez encontrar a escrita como espaço de desafogamento e escuta. A que não consigo escapar quando convivo tempo demais em família. A seguinte:
Eu nunca fui acolhida em casa.
Cresci ouvindo que precisava engolir o choro. Entender meu pai. Ir para o quarto porque a versão que a minha irmã contou da nossa briga foi a única que optaram por escutar. Perdi as contas de quantas vezes me disseram que eu devia lidar diferente com os meus sentimentos, que a minha melancolia era drama e que não tinha motivos para estar ansiosa. "Com certeza não foi assim". "Você é impossível". "Não acredito que isso tá acontecendo de novo". "Não fica desse jeito". "Lava o rosto e volta para a sala". "As pessoas estão olhando".
Apurando uma reportagem descobri que isso se enquadra em abuso psicológico – que nada mais é que uma forma de depreciação, deslegitimação e desconsideração do outro. Ele pode ser praticado de diversas maneiras, mas, no meu caso, foi sempre uma depreciação, uma deslegitimação e uma desconsideração dos meus sentimentos. Não importa se está doendo, eu não quero lidar com essa angústia e vou usar a minha posição de poder para controlá-lo minimizando o seu problema até que ele não exista mais. Essa tradução quem fez foi eu. Mas é basicamente isso que meus pais e minha irmã sempre tentaram aplicar comigo. Em busca de alívio imediato para pequenos conflitos, tornaram tudo muito maior – para o meu estado mental e para a nossa convivência.
Lidar com meu emocional bagunçado sempre foi um inferno para eles e a única alternativa que encontraram para tolerar a vida ao meu lado foi tentar varrer tudo para debaixo do tapete. Só que o caminho para isso era a minha goela e o tapete era o meu peito. Sufoca a sua dor. Eu não me importo com ela. Quero te ver sorrindo. Me deixe em paz. O resultado disso? O desenvolvimento de uma ansiedade profunda que dificultou e ainda dificulta a minha vida em muitos sentidos.
E não estou dizendo que os três não querem me ver feliz. Pelo contrário, sei que me amam e sempre prezaram pelo meu bem-estar. Acontece que o caminho para a minha felicidade era muito mais simples do que eles imaginam. Eu só queria me sentir ouvida e acolhida, coisa que nunca tentaram oferecer. Algo que, hoje, vem estampado em quase todo manual de educação infantil. "Incentive a comunicação de emoções". "Acolha o choro. Escute, entenda, dê atenção". "Ajude seu filho a lidar com o que está sentindo de forma autêntica, sem fingir algo positivo quando está sentindo o oposto".
Meus pais e minha irmã não tinham a obrigação de saber nada disso, eu entendo. Eram outros tempos. Outros recursos. Mas não me entra na cabeça que nunca houve uma tentativa de exercer a empatia. De me deixar desabafar. De tentar compreender. Como assistir a uma pessoa crescendo expressando tanto sofrimento e não buscar acolher? Por qual razão acreditar que a solução estava em eu deletar o meu emocional e construir um novo do zero? Como se isso fosse possível! Por que me encarar como uma pessoa problemática ao invés de me ajudar a processar a minha sensibilidade com mais facilidade?
Só na psicanálise fui entender que eu não sou maluca. Que meus sentimentos são válidos. Que está tudo bem chorar. Que não é porque ninguém acredita que não aconteceu. Só na psicanálise compreendi que a cabeça deles funciona diferente. Que não foi por mal. Que eles me amam da forma que eles conseguem. Só na psicanálise me libertei do medo de ser quem sou. De sentir como sinto. De me posicionar e colocar para fora os meus incômodos mesmo que os receptores não estejam confortáveis em ouvir. Aprendi a respirar fundo e, mesmo que lágrimas escorram pelo meu rosto, deixar claro o que motivou a minha chateação, a minha raiva ou a minha angústia. Consigo me comunicar melhor porque não engulo mais as minhas dores. Falo antes que virem uma bola de neve. Que alimentem a minha ansiedade. Que se transformem mais uma vez em depressão.
Consegui me dar o respeito emocional que ninguém nessa casa jamais tentou dar. E me sinto orgulhosa de mim mesmo que cada um esteja no seu quarto pensando que eu sou maluca. Que eu não tenho jeito. Que sou "intragável". Que não vale a pena conversar. Quero muito que meus pais e minha irmã me amem. Adoro conviver com eles. Mas, mais do que tudo, preciso respeitar as minhas emoções e seguir lutando para que um dia eles também as respeitem. Oferecer um chá, comprar um presente, fazer a minha comida favorita são atitudes legais. Mas ouro para mim é ser ouvida.
Para quem convive com crianças
A Laura Rath é psicóloga e irmã da minha melhor amiga da adolescência. Ela criou o perfil Consciência e Afeto para ajudar pais, cuidadores e outros adultos a educarem as crianças com carinho e base científica. Este vídeo a seguir mostra um pouco do que eu costumava ouvir quando pequena e se transformou em ansiedade, mas ela também tem muitos outros conteúdos que vale dar atenção.
Música do verão
Se você passou a virada do ano com o pé na areia, com certeza foi muito feliz ao som desse hit da Letrux. Virou a música da minha turma em Atins, mas já percebi que é também a trilha sonora oficial dos Reels que reúnem imagens de festas, praia e sorrisos neste verão. Tive a honra de ouvir os dois DJs envolvidos tocarem ela ao vivo. Bora dar o play para se embolar nesse romance solar com a gente.
Trechinho que escrevi sobre estar em Atins no Instagram
Essa viagem pra Atins foi um misto de realizações: estar em um paraíso, rodeada de gente que agrega e com a energia em sintonia, conhecer mais um pedaço fundamental do meu país amado, me jogar na culinária local, reafirmar as pazes com o meu corpo, ficar maravilhada com algo novo todos os dias. Tudo isso no auge do meu bem-estar mental e dando conta de bancar tudo sozinha sem precisar contar moeda. É muito bom vivenciar alguns dos melhores dias da sua vida com a plena consciência do valor deles enquanto acontecem. Tudo extremamente especial!
Depois quero falar melhor dessa experiência por aqui, mas quem gosta de imagens bonitas e dicas pode ir lá no meu Instagram apreciar.
Toda semana sua newsletter vem em forma de abraço, uns abraços que recebo, outros que gostaria de dar e acho que não há nenhuma outra maneira de descrever o que sinto agora se não que a dessa semana veio em tom de todos os abraços que precisei e não recebi, sua relação familiar é bem próxima à que tenho em casa, com uma pequena diferença: saí de casa aos 17 pra fazer faculdade e assisti de longe o vínculo e acolhimento entre meus pais e meu irmão crescerem, ao ponto de que por vezes me sinto uma parasita dentro do espaço que eu gostaria de ter como lar. Eu sou muito feliz e me acolho sozinha, mas gostaria muito de conseguir sentir o mesmo advindo de pessoas que eu divido os genes e o sobrenome. Da mesma forma que você, hoje eu não engulo e por isso sou lida como grosseira e similaridades. Sinto muito por você e por tudo que você passou e mando toda boa energia que há em mim.
Acho que uma das coisas mais difíceis pra mim na terapia foi entender que o amor e o acolhimento dos pais existe, mas não vem necessariamente da forma que a gente precisa. Por muito tempo eu me afastei porque esse amor vinha num formato que me fazia mal, então pra mim era como se não existisse, eu apenas rejeitava. Mas né, isso também não me fazia bem. Agora estou num momento de tentar construir uma alternativa, um jeito de conseguir receber esse amor, porque ele existe e é necessário, mas sem deixar de impor limites ao que me faz mal. Acho que às vezes a gente entende essas relações familiares como dadas, algo que já vem pronto. Elas também precisam ser construídas de alguma forma, ressignificadas, seja em conjunto (quando há essa abertura), seja por nós mesmos, mudando o que for possível do nosso lado.