Era domingo de manhã na minha atual padaria favorita. Enquanto esperávamos ansiosas pelo café da manhã, eu e minha mãe trocamos algumas confidências. Eu, do alto dos meus seis anos de análise, ela, após um retorno triunfante à terapia, de peito aberto, sem armaduras ou contra-ataque.
Não vou entrar em detalhes sobre todas as palavras que levaram nos duas às lágrimas naquela esquina ensolarada da Pompeia. Hoje quero me ater a uma frase específica que saiu da boca da minha genitora: sempre te achei muito lúcida.
Lúcida.
Eu?
Inesperado.
Tô aqui há uma vida lidando com a pecha de doida. Outro dia, inclusive, ganhei dos meus amigos de ensino médio o prêmio de terceira mais maluca da turma. E, veja bem, entre eles (que são 11 pessoas completamente perturbadas) o posto tá altíssimo.
Trata-se de uma loucura ligada à transgressão. Falta de escrúpulos no rolê. Dificuldade em respeitar hierarquias. Paixão por subir em palcos. Menor pudor em mostrar os peitos. E uma lista longa de merdas que fiz extremamente bêbada na adolescência e na juventude que não vem ao caso entregar de bandeja a vocês.
Nada que eu me arrependa.
Mas essa é só a ponta do iceberg da minha insanidade. Ou melhor, intensidade. O aspecto da minha maluquice que sempre me preocupou é a falta de controle emocional. Choro fácil demais. Descontroladamente. Por qualquer coisa. Boa ou ruim. Já tive depressão. Mais de uma vez. Caminho de mãos dadas com a ansiedade desde que me entendo por gente.
Essa parte de mim, o melodrama, é tão forte que achei que me definia. Principalmente dentro de casa, com a minha família.
Lúcida. Não combina.
Naquela manhã, também ouvi da minha mãe que nunca me defendeu nos confrontos com a minha irmã mais velha porque eu não precisava disso. Sempre soube me defender sozinha.
"Se eu falar algo que você considere injusto, por exemplo, vai passar 3 horas discorrendo sobre injustiça".
Levei pra análise o papo completo. Enfiei mais uma dúzia de elaborações afins no processo. Resmunguei sobre falta de amparo. Me virar sozinha. Sobre minhas crises de ansiedade no quarto depois de ficar de castigo por ter chorado após provocações da primogênita. Sobre as cartas que escrevia querendo ser compreendida e que raramente tinham resposta. O tempo todo embasbacada com o adjetivo que minha mãe pregou em mim com extrema convicção: lúcida.
No fim, minha psicanalista soltou: "então você está surpresa por ser reconhecida por algo que você se esforça tanto para ser?".
Sim.
Estou.
Só ali me dei conta. É justamente a lucidez que sustenta a minha loucura.
Em meio a uma sociedade que evita o diálogo real a todo custo, que trabalha incansavelmente para sufocar os sentimentos ao invés de lidar com eles, que teme a transparência, que prefere o caminho mais fácil ao invés do mais justo, que valoriza o senso hipócrita de normalidade acima da liberdade, ser lúcida é coisa de gente maluca.
Doidera.
Mea culpa
Assumi um compromisso com você e sumi: desculpa. Fui sugada pela mudança de apartamento. Aí ficou uma mistureba de curso de psicanálise com freelas e organizar a casa, sobrando pouco tempo pra newsletter. Afinal, também preciso descansar (e assistir Vai na Fé, tô viciada).
Não prometo que volto semana que vem, mas prometo tentar recuperar a frequência sem precisar beirar a exaustão, ok?
Música da semana
A Anitta lançou Funk Rave (que eu amei) e abriu um portal pro tanto de música que ela tem lançado na gringa sem fazer muito alarde por aqui. Essa aí é viciante. Uma mistura de Rap das Armas com reggaeaton.
Série do momento
Finalmente cheguei na segunda temporada de The White Lotus. O fuzuê fez todo sentido: é boa mesmo. Demorei porque a primeira é muuuuito arrastada. Assistia a um episódio e só tinha gás pra tentar o próximo dois meses depois. Boa, não nego, falta essa pimentinha safada que a segunda tem. Tô no meio ainda, mas tô vidrada. Se você também travou na primeira, pode confiar: segue em frente que vale a pena!
fiquei curiosa por saber a padaria 😜
Sério!
Este foi o maior insight que já tive na vida.
Bravo Clara, você é lúcida com força!