Enquanto tava na casa do Freud, eu só sentia isso aqui
Não sei muito bem ao certo quando foi que começou. Só sei que uma angústia imensa, do tamanho das maiores dores do mundo, se apossou de mim ainda na infância. Vai entender como uma menina tão brincalhona, afetuosa e eloquente podia carregar uma bola de fogo tão pesada dentro do peito. Mas carreguei.
Tinha dias que ela ficava menor, minúscula, e eu nem conseguia notá-la ofuscada por risadas, carinhos e boas descobertas. Porém, em outros, ela ficava gigante, maior que eu mesma, e transbordava em choro, lamento, berreiro e – nos piores dias – em silêncio.
Fui crescendo e ela veio junto. Cada vez maior, cada vez mais raro não notar. Era preciso fazer mais barulho, mais bagunça, mais novidades espetaculares para esquecer que ela morava ali. Foi assim que vivi por anos no limiar do êxtase e do desespero. Um caos completo. Até que a angústia explodiu.
Boom!
E eu implodi.
Puf.
Virei tristeza recorrente.
Deprimi.
Conheci o tal do fundo do poço.
E só saí de lá porque a psicanálise me permitiu.
Começou com uma colega querida do trabalho me passando o telefone de uma "terapeuta" conhecida. "Ela vai fazer um preço social para você, liga lá", disse. O papelzinho mais especial que recebi na vida. Liguei.
Eu já tinha feito psicoterapias antes. Inclusive psicanálise. Mas não me ligava muito nas abordagens. Nem sabia que havia diferenças. Ia lá derramar minhas dores até elas pesarem um pouco menos e encerrava por conta própria quando me sentia melhor. "É muito gasto de dinheiro", justificava.
Dessa vez foi diferente. Fiquei. E lá se vão 7 anos em análise.
Comprometimento que me permitiu não só sair do fundo do poço como nunca mais ser controlada pela angústia que me assola desde a infância. É claro que ela ainda tá aqui. E que vez ou outra se torna maior que meus outros sentimentos. Mas não me assusta mais. Nem me coloca no chão. Muito menos escapa pela minha transpiração contaminando tudo ao meu redor sem que eu me dê conta.
A psicanálise mudou minha vida. Minhas relações. O meu bem-estar. A psicanálise me deu clareza, conforto, caminhos, coragem. Transformou em riacho o turbilhão que morava em mim. Um riacho que às vezes transborda, é verdade, mas sabe onde desaguar. Uma transformação estrutural que enfim me trouxe paz, mesmo quando há tormento. Hoje sei que nada nunca vai ser tão ruim quanto já foi, porque agora tenho ela.
Por isso, foi tão potente para mim visitar a casa onde esse conhecimento foi desenvolvido. Teve seu imenso pontapé. A casa onde Freud viveu e trabalhou. Onde atendeu seus pacientes, desenvolveu suas teorias, debateu com outros profissionais. A casa onde a psicanálise nasceu. Onde os livros mais importantes da minha estante foram escritos. Na rua Berggasse, número 19, em Viena.

Bastidores
Essa visita à casa de Freud aconteceu em maio, durante férias em Viena. Vem cá assistir. Foi a minha segunda vez na cidade. Na primeira, já estava em análise, mas ainda não tinha virado entusiasta do conhecimento analítico, então acabei deixando esse passeio para depois.
Achei que logo mais teria essa oportunidade, já que minha irmã morava lá. Tipo no ano seguinte. Só que aí veio a pandemia. Os anos se passaram. Ela voltou pro Brasil. E eu pensei que tinha cometido um vacilo irreparável. Bobinha.
Nesse meio tempo, depois da minha analista me corrigir diversas vezes sempre que eu chamava de "terapia” o que a gente tava fazendo ali – “análise", dizia enfática logo na sequência –, decidi entender melhor o que era o que.
A internet me ensinou que a psicologia e a psicanálise são áreas distintas e que as duas são psicoterapias. Segui pesquisando sobre o assunto e quando dei por mim estava fazendo aperfeiçoamento em psicanálise em um instituto respeitado.
Mentira, não dei por mim. Eu quis muito fazer esse curso. Aguardei ansiosa a data de inscrição, morri de medo de não passar no processo seletivo e amei de corpo inteiro quando recebi o e-mail dizendo que tinha sido aprovada.
Agora, lá se vão um ano e meio debatendo os textos de Freud e aprendendo sobre a sua teoria. O curso acaba em dezembro, mas já posso dizer que é só o começo da minha trajetória. Vou virar psicanalista algum dia? Quem sabe. Mas, por enquanto, aprender psicanálise se tornou o melhor hobby da mundo.
Ainda bem que minha irmã decidiu dar um pulinho em Viena logo agora. E que eu decidi ir junto pra curtir minha sobrinha de um ano e resolver as pendências que ficaram da outra vez. Gosto muito dessa cidade. E agora gosto ainda mais.
Música da semana
Tava ouvindo Hinds (uma banda madrilenha que eu amo de paixão) e o Spotify me levou até outro quarteto de mulheres: o Los Bitchos. Um som instrumental contagiante que depois descobri se tratar de cumbia. Tô encantada!
A banda foi formada em Londres, mas só uma integrante é de lá, as outras são do Uruguai, Suécia e Austrália.
Saboreiem.
Série do momento
Só da Olimpíadas!!!!
Há mais de 30 horas eletrizada com isso aqui: