Sufocada. Foi assim que eu me senti minha adolescência inteira. Uma angústia tremenda que me entupia o meu pescoço. Causava desespero. Tirava minhas noites de sono – e as da minha mãe também, que tinha que deitar do meu lado para me ouvir tagarelar até as palavras cansarem de escapulir da minha alma pela boca.
Só passou quando fui morar em Londres.
Seis meses que mudaram tudo.
Eu, que há uma década me sentia absolutamente deslocada no mundo, comecei a entender que havia certos lugares dentro dele para mim. Lugares amplos. Agitados. Repletos de diversidade. De possibilidades. E com pouca, ou quase nenhuma, vigília.
Lugares em que eu podia ir ao supermercado sem encontrar três parentes distantes. Ir ao restaurante sem esbarrar com cinco amigos do meu pai. Sair para dançar sem conhecer 74% da festa. Andar pelas ruas sem ninguém saber quem eu sou. Que delícia.
Minha mente, que há tempos ansiava por mais espaço, finalmente se expandiu de um jeito confortável. Meu coração, que é craque em fazer barulho demais, enfim conseguiu passar despercebido – mesmo que de vez em quando. E, aos poucos, pedaços meus que andavam caídos foram se encaixando de volta nos espaços de onde nunca deveriam ter saído.
Até que voltei pras montanhas de Minas e o sufoco voltou junto. Piorado. Agressivo. Desesperador. Apesar de amar BH e saber aproveitar cada esquina que a cidade me oferecia, a sensação de que não haviam esquinas o suficiente para as minhas possíveis vontades era desoladamente castradora.
Aí vim morar em São Paulo e, puts, pertenci.
Imediatamente.
Amplitude. Agitação. Multidão. Atravessar a rua anonimamente.
Me sentir em casa.
Enfim, em casa.
São quase nove anos aqui. Outras angústias. Inúmeras dores de cabeça. Incontáveis crises de choro. Muita vontade de mandar paulista à merda. Mas nenhuma falta de ar.
Meu lugar é aqui.
Não tenho a menor dúvida.
Mas um novo tipo de melancolia se alojou em mim faz um tempo. E, à medida que vou ficando mais velha, tem ganhado cada vez mais espaço. Ditando meus temores. Dominando meus desejos inconscientes. Criando novos buracos no meu coração.
É o seguinte:
Sinto muita falta de ter família aqui.
De ter minha família por perto.
Minha mãe, que no começo, vinha umas 3 vezes ao ano, agora só vem uma se eu implorar muito. Já minha irmã e meu cunhado foram atropelados pela própria vida e nunca mais apareceram. Enquanto meu pai talvez, bem talvez, tope me visitar em 2025. Me sinto abandonada, mesmo que tenha sido minha decisão morar a tantos km de distância.
Gosto, sim, de ir pra BH ver todo mundo. Ficar no sofá juntinhos. Beber vinho. Comer Sushi Naka. Conhecer uma nova versão da minha afilhada a cada visita. Gosto muito. Mas sinto falta deles aqui. Se atualizando da minha vida. Tomando café na minha padaria favorita. Convivendo com a minha cachorra. Conhecendo restaurantes novos na minha vizinhança. Conversando com os meus amigos.
Também faz uma falta enorme ter com quem contar incondicionalmente. Pedir socorro na mudança sem achar que tô atrapalhando. Ter pra onde correr nos tenebrosos domingos de céu fechado. Ter o colo da minha mãe quando partem o meu coração. A companhia da minha irmã pra uma caminhada repleta de conselhos e trocas. E o socorro do meu pai quando a coisa aperta feio.
Isso pra ser extremamente sucinta.
Resumo do resumo do resumo.
Não tenho a menor dúvida de que meu lugar é aqui, mas como faz falta ter um ninho por perto. Uma falta enorme.
Por isso, volta e meia, me sinto sozinha, mesmo estando em casa.
Música da semana
Honestamente, com esse céu cinza que se impregnou sobre nós, só dá pra ouvir as que machucam da Gal Costa.
Série do momento
The Morning Show é simplesmente uma das melhores séries já feitas. A primeira temporada, sobre abusos sexuais nos bastidores do telejornalismo, é impecável. Obrigatória. Urgente. A segunda, que se aprofunda na questão racial, discute punitivismo e embala como poucas a pandemia do covid, também foi um hino. Agora, estou vendo a terceira.
Fui devorar felizinha achando que já tava toda no ar, mas os episódios são semanais. Já foram quatro. Vi todos. Tá legal. Mas ainda não sei se chega aos pés das duas primeiras. O ponto alto é a entrada do Jon Hamm no elenco, meu eterno Don Draper de Mad Man, como um bilionário com ambições espaciais. Tava com saudade de morrer de ódio (e tesão) por esse rostinho. A tensão sexual entre ele e a personagem da Jennifer Aniston está me consumindo, confesso. Mas a Julianna Margulies e a Reese Witherspoon estão muito mau aproveitadas. Vamos aguardar os próximos episódios.
tenho chão em são paulo também, mas uma relação mais difícil com a família. aceitar que todos somos sozinhas é meu maior fantasma, e puts, tô há 6 anos na terapia pra isso rs
Muito bom Clarinha! Sua capacidade de traduzir em palavras sentimentos complexos é incrível <3